
Vestígios

Vestígios
Viver é deixar rastros.
Cada corpo que passa, cada matéria que resiste, cada gesto esquecido marca a superfície do tempo — mesmo quando ninguém mais olha.
Em Vestígios, Vivi Rosa investiga o que sobra: não como ruína melancólica, mas como força ativa. Suas obras partem do que já carregava o sinal da passagem: materiais descartados, formas corrompidas, corpos fragmentados. A artista transforma vestígios em presença, revelando que aquilo que o mundo tenta apagar — seja pelo desgaste, pelo esquecimento ou pelo excesso de velocidade — ainda pulsa, ainda constrói sentido.
Num tempo em que o descartável governa a produção e a memória parece se dissolver em fluxos instantâneos, Vivi Rosa caminha na contramão: resgata, reconfigura, reinscreve. Sua prática é, ao mesmo tempo, física e simbólica: ela coleta o que foi abandonado, mas não para restaurar — para reafirmar a dignidade do que sobreviveu à perda.
O gesto que a move não é a restauração do passado. É a criação de novas existências a partir dos resíduos. Cada escultura é um ponto de atrito entre aquilo que o tempo tentou corroer e aquilo que se recusou a desaparecer. Cada peça guarda as marcas da luta para permanecer — seja na rigidez ferida do cimento, na curva improvável de um corpo recombinado, ou na tensão entre o que falta e o que se apresenta.
O reuso em sua obra não é só material: é filosófico.
É a recusa da obsolescência.
É a recusa de aceitar que o que foi ferido deve ser descartado.
É o reconhecimento de que as camadas da história — pessoal, social, humana — se acumulam, se erodem, mas não se apagam. Assim como os grandes movimentos da história da arte que repensaram o que é valor, o que é resíduo, o que é essencial (como o arte povera na Itália dos anos 1960, ou as práticas contemporâneas de recombinação e memória material), Vivi Rosa constrói a partir daquilo que já traz em si uma história.
Vestígios não é uma celebração da ruína: é a afirmação da vida nas sobras. É a escuta atenta do que resta. É a consciência de que sobreviver é sempre, de algum modo, reinventar-se com as partes que ficaram. A cada passo, a cada fragmento, a exposição desenha um território onde o que persiste não é o que resistiu intacto — mas o que foi capaz de transformar sua própria vulnerabilidade em presença.
Vestígios é, assim, um manifesto silencioso daquilo que, mesmo quebrado, continua sendo. E, talvez, continua sendo exatamente porque foi quebrado. Vestígios é um mapeamento dos rastros, das ausências e das presenças que ainda vibram no agora.
Nada está intacto, tudo pulsa.
Galeria Objeto Particular
Individual Vivi Rosa
São Paulo - SP
Maio 2025










